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LIVRE DEMANDA É LIBERDADE, SIM


Um dos erros que a gente comete quando vira mãe é pensar no parto como o final de um ciclo. A gente pensa que, uma vez cortado o cordão umbilical, acaba-se o vínculo físico entre mãe e bebê. Mas a gente se esquece que, quase simultaneamente com o corte do cordão, se estabelece um novo vínculo, invisível e vital: a amamentação.

Quando a gente imagina que no pós-parto, mãe e bebê são dois corpos separados e que a gente vai recuperar nossa liberdade de movimentos, de comer o que quiser, de dormir melhor, a gente se assusta com o quão diferente disso a realidade pode ser.

Porque no pós-parto, mãe e bebê permanecem sendo um binômio, uma dupla inseparável. E o bebê permanece dependendo da presença física e do corpo de sua mãe para sobreviver. Para sobreviver.

Amamentação nem é considerada uma forma de alimentação, sabiam? Amamentação é mais uma transferência de nutrientes. O leite sai do corpo da mãe e entra no corpo do bebê sem ter contato nem mesmo com o ar. O complexo das glândulas mamárias se assemelha muito com a estrutura placentária e o mamilo é uma metáfora do cordão umbilical, que adentra o corpo do bebê para nutrir. E assim, mãe e bebê estreitam seus laços, ao invés de se afastar. E permanecem unidos, intermitentemente, após o parto, enquanto durar a amamentação. É por isso que muita gente defende que o puerpério também não termina antes do desmame. Pois enquanto houver amamentação, haverá fusão emocional entre mãe e bebê.

Nesse contexto, vamos pensar no que significa a livre demanda da amamentação.

A livre demanda consiste em oferecer o peito ao bebê sempre que ele solicitar, para garantir sua nutrição e satisfação da sucção não nutritiva – a necessidade de contato físico e segurança emocional enquanto suga.

Eu aprecio o acréscimo do pediatra Carlos Gonzalez, quando ele explica que a livre demanda é também livre oferta, e que diferentes mulheres terão diferentes interpretações sobre se o bebê está ou não solicitando o peito naquele momento, se ele pode ou não esperar mais um minuto para mamar.

Por isso é importante permitir que a fusão emocional aconteça, para que a gente sinta a necessidade do bebê como se fosse nossa, para que a gente sinta tanto prazer em permanecer em contato físico, sem limite de tempo, quanto os bebês sentem.

Pensando no aspecto físico da lactação, a livre demanda é importantíssima, principalmente durante o período da extero-gestação – os primeiros três meses – para garantir a frequente estimulação das mamas e manter a produção de leite adequada à necessidade do bebê. Sendo assim, quanto mais o bebê mama, mais leite é produzido. E, da mesma forma, um peito que é oferecido poucas vezes passará a produzir menos leite com o passar do tempo.

Na prática, isso significa, muitas vezes, passar o dia inteiro com o bebê pendurado no peito. E naquela situação em que a mãe imaginava que após o parto ela poderia voltar à academia, fazer um curso no fim de semana e terminar a monografia da faculdade, a livre demanda é um balde de água fria. E muitas mulheres encaram a livre demanda como escravidão. Se sentem presas, escravizadas, solitárias. Justamente pelo contraste entre o que a natureza requer de nós e o que a sociedade espera de nós: envolvimento versus desenvolvimento.

A livre demanda pode nos fazer sentir exaustas, incompreendidas, esvaziadas de nossa personalidade, como se a gente fosse um peito ambulante. Esse esvaziamento da personalidade é o que acontece quando a mulher abre espaço para a mãe se construir. É a crise de identidade do puerpério que Laura Gutman explica tão bem.

E como somos mães ainda em construção, temos uma sensação de vazio enorme pela frente, nesse momento quando a nossa principal atividade é simplesmente existir para nossos bebês e os amamentar. Quando a gente olha nesse abismo que ficou, não temos a menor ideia do que vai nos encarar de volta, do escuro. Mas a gente é confrontada com esse vazio de forma tão concreta que não tem como, cedo ou tarde a gente vai encarar a nossa sombra e descobrir o que há depois da maternidade. Descobrir quem somos nós depois da maternidade. Certamente outras, diferentes de antes. Com sorte, descobrir quem nós sempre fomos. E perceber que depois desse esvaziamento, encontraremos a plenitude.

Estar disponível para o bebê 24h por dia significa estar disponível para si mesma. Por isso eu acredito que amamentar em livre-demanda também é uma atividade de autocuidado. Diferente de ir ao cabeleireiro ou receber uma massagem, é um autocuidado da alma. Estar disponível ao bebê é estar disponível ao autoconhecimento, é estar disposta a olhar na escuridão e caminhar em frente, com medo mesmo. Porque é nesse escuro desconhecido que a mãe que somos está, e não no passado. Não dá para voltar.

Para muitas mulheres, fazer isso pode ser doloroso. Para outras chega a ser insuportável. E algumas não encaram. Mas acreditem, mesmo que a sobrancelha esteja peluda, o coração pode estar radiante. E permitir-se viver a livre-demanda da amamentação com liberdade das expectativas sociais, pode tornar o processo mais leve.

Vamos pensar em tudo o que já foi inventado para que a mãe tenha “tempo para si mesma”: chupeta para satisfazer a sucção não-nutritiva; mamadeira para que outras pessoas possam alimentar o bebê; cadeira que vibra para saciar a necessidade de ritmo e movimento.

Agora vamos questionar o que esses objetos realmente oferecem: é oportunidade para a mulher ter um “tempo para si mesma”? Ou será que eles oferecem tempo para a mulher se distrair de si mesma? Porque não pensamos no tempo que o bebê nos solicita como um tempo para nós mesmas?

No puerpério a gente se encara, uma nudez irremediável. E é doloroso. Mas é saudável. Precisamos vencer essa dificuldade em compreender que a livre-demanda é um tempo para a mãe cuidar de si mesma enquanto cuida do bebê.

Quando uma mãe insere um substituto do peito, seja uma chupeta ou uma mamadeira sem indicação médica, pode ser um reflexo de auto-preservação. Uma vontade de permenecer igual, indivíduo ao invés de binômio. Quantas mulheres boicotam a própria amamentação, que tinha tudo para dar certo, por uma negativa em aceitar a livre demanda e a inevitável transformação que vai acontecer com a maternidade?

Por isso, quando a gente abre esse espaço para falar de puerpério, de exterogestação, de amamentação, a gente procura fazer um convite às mulheres: entreguem-se à amamentação. Dediquem-se a livre demanda. Reservem esse tempo para vocês mesmas e para seus bebês, não há nada mais importante do que vocês dois nessa hora.

É intenso. Não passa rápido. Mas passa. E é uma oportunidade única e inigualável de autoconhecimento e trasnformação. Vamos nos permitir.

https://mulhermiranda.wordpress.com/2018/04/17/livre-demanda-e-liberdade-sim/

Thinkstock/Getty Images

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