Como identificar e manejar a icterícia do leite materno?
A icterícia do leite materno pode ser definida como a persistência da “icterícia fisiológica” além da primeira semana de vida. Pode ocorrer em até um terço dos recém-nascidos saudáveis amamentados com leite materno. Geralmente se apresenta depois dos primeiros 3 a 5 dias de vida, com pico dentro de 2 semanas depois do nascimento e progressivamente diminui aos níveis normais ao longo de 3 a 12 semanas. A icterícia do leite materno deve ser distinguida da icterícia do aleitamento, relacionada a baixo aporte de leite, que ocorre nos primeiros 7 dias de vida, resultando em perda excessiva de líquidos e peso. Geralmente recém-nascidos com icterícia causada pelo leite materno apresentam bom estado geral, bom ganho de peso, função hepática normal e não há evidência de hemólise.
Frente à icterícia do leite materno, deve-se:
1. Descartar causas patológicas de icterícia neonatal. Podemos suspeitar de hiperbilirrubinemia patológica quando:
– A hiperbilirrubinemia ocorrer nas primeiras 24 horas de vida;
– Os níveis de bilirrubina aumentarem rapidamente;
– A bilirrubina direta for acima de 1mg/dL, se o total de bilirrubina for menor que 5mg/dL ou maior que 20% do total da bilirrubina, se a bilirrubina total for acima de 5mg/dL. Além de doença hemolítica, outras causas de icterícia prolongada podem ser afastadas como a deficiência de G6PD e o hipotireodismo congênito (avaliado no teste do pezinho).
A presença de icterícia antes de 24 a 36 horas de vida ou de valores de bilirrubina total acima de 12 mg/dL, independentemente da idade pós-natal, alerta para a investigação de processos patológicos.
2. Descartar fatores de risco para neurotoxicidade relacionados à icterícia neonatal. Os fatores de risco para neurotoxicidade que podem resultar em alto risco de toxicidade pela bilirrubina em baixas concentrações são: doença hemolítica isoimune; deficiência de G6PD; asfixia; letargia significante; instabilidade de temperatura; sepse; Acidose; albumina (<3 g/dL).
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3. Verificar se o nível de bilirrubina total (mg/dL), conforme a idade gestacional ao nascer e a idade em horas de vida, indica fototerapia ou exsanguineotransfusão, de acordo com a tabela:
Adaptado de: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Manual AIDPI Neonatal: quadro de procedimentos. 5. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
4. Não orientar a suspensão do leite materno rotineiramente. Apesar de descrito que a suspensão de ingestão de leite materno ocasionar uma queda rápida dos níveis de bilirrubinemia em 24 a 48 horas (sem retorno aos valores prévios quando este é reintroduzido), não há recomendação formal para a suspensão do leite materno. A suspensão de aleitamento materno só é aconselhada se os níveis totais de bilirrubina estiverem próximos aos níveis de indicação de exsanguíneotransfusão.
Teleconsultoria respondida por: Tiago Dalcin. Teleconsultor Médico Pediatra. Mestre em Pediatria e Saúde da Criança pela PUCRS. Graduado em Medicina pela UFSM, Residência Médica em Pediatria no HCPA, Residência Médica em Terapia Intensiva Pediátrica no HSL da PUCRS.
Referências:
AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS SUBCOMMITTEE ON HYPERBILIRUBINEMIA. Management of Hyperbilirubinemia in the Newborn Infant 35 or More Weeks of Gestation. Pediatrics, Springfield, v. 114, p. 297-316, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Manual AIDPI Neonatal: quadro de procedimentos. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
DYNAMED. Neonatal hyperbilirubinemia [Internet]. Ipswich (MA): EBSCO Publishing, 2016. [Atualizada em 07 mar 2016; Acesso em 21 mar 2016]. Acesso via portal periódicos (saude.gov.br).
PICON, P. X.; MARÓSTICA, P. J. C.; BARROS, E. (Org.). Pediatria: consulta rápida. Porto Alegre: Artmed, 2010.
PORTER M.L.; DENNIS B. L. Hyperbilirubinemia in the term newborn. Am Fam Physician, Kansas City, v. 65, n. 4, p. 599-606, 2002.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento de Neonatologia. Icterícia no recém-nascido com idade gestacional > 35 semanas. Rio de Janeiro: SBP, 2012. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/src/uploads/2015/02/Ictericia_sem-DeptoNeoSBP-11nov12.pdf>. Acesso em: 24 mai. 2016.
WONG R. J.; BHUTANI V. K. Pathogenesis and etiology of unconjugated hyperbilirubinemia in the newborn: Screening tests in children and adolescents. Waltham (MA): UpToDate, Inc., 2016. Disponível em:<http://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-and-etiology-of-unconjugated-hyperbilirubinemia-in-the-newborn>. Acesso em: 21 mar. 2016.
Retirado de:https://www.ufrgs.br/telessauders/perguntas/como-identificar-e-manejar-ictericia-do-leite-materno/